Se bem que esta frase remeta para uma bela imagem, a história que está por detrás dela não é tão agradável assim. As mulheres chinesas cujos pés foram deformados até não medirem mais do que alguns centímetros, eram conhecidas por ‘caminharem como lírios’.
A moda sempre teve destas coisas, que o digam as mulheres que, no final do século XIX eram apertadas em espartilhos ou as que retiravam costelas para tornar a cintura mais fina. Nos países orientais, a moda também exigiu o sofrimento das mulheres, de uma forma que hoje repugna, mas que era considerada altamente erótica na altura.
No passado, os pés das mulheres chinesas era apertados em metros de ligaduras para os impedir de crescerem. Desta forma ficavam a assemelhar-se a ‘um pequeno lótus’ e eram um atributo das mulheres de classe mais alta, o que não impedia que muitas camponesas fizessem o mesmo a algumas filhas, tentando desta forma proporcionar-lhes um futuro melhor, uma vez que as mulheres de lótus eram altamente apreciadas.
A prática terá tido inicio no palácio do último rei da dinastia Tang (923-936 AD) e continuou mesmo depois de ter sido banida pelo império da Manchúria, que estabeleceu a dinastia Qing (1644-1911). Nas áreas mais remotas das zonas montanhosas, as mulheres ainda apresentavam os pés deformados mesmo depois da revolução chinesa em 1949.
O folclore chinês atribui a origem do processo a uma raposa que escondeu as suas patas sob ligaduras para assumir o lugar da Imperatriz Shang e outra versão sugere que esta Imperatriz tinha uma deficiência num pé, e por isso insistiu que todas as mulheres do seu séquito amarrassem os pés de forma a que a sua deficiência se tornasse uma moda de beleza na corte.
Supõe-se que este hábito terá começado entre as bailarinas do palácio, mas depressa evoluiu para um luxo entre os ricos. Desta forma, as mulheres ficavam mais dependentes dos outros e menos úteis dentro de casa, além de as impedir de fugir de casa dos maridos, porque algumas delas, depois deste ‘tratamento’ ficavam praticamente paraplégicas. Depressa se tornou um pré-requisito para o casamento e se um homem descobrisse que a mulher que lhe fora dada em casamento não tinha os ‘pés de lótus’ era motivo suficiente para anular o contrato matrimonial.
Muitos pais mais pobres optavam por fazer essa operação às filhas, mas nem sempre existia a certeza de um casamento e muitas mulheres acabavam por ter de trabalhar no campo com os pés deformados, sofrendo dores horríveis.
Observemos como decorria a operação. Entre os dois e os três anos de idade, as mães ou amas começavam a enrolar tiras de algodão branco em todo o redor do pé, empurrando os dedos para dentro em direção à sola, exceto o maior. Depois colocavam uma enorme pedra por cima para partir a arcada do pé. Como a criança gritava em agonia, não era raro que a amordaçassem. Esta operação era repetida vezes sem conta e a menina perdia freqüentemente os sentidos devido às dores. E estas nunca mais terminariam. Teriam de manter as ligaduras apertadas para o resto da vida.
Eventualmente os dedos encaixar-se-iam na sola do pé e as unhas cresceriam para dentro da carne. Isto significava que tinham de cortar pedaços de carne morta todos os dias. A carne acabava por apodrecer e acontecia várias vezes que um ou dois dedos caíssem. Mas esta não era a pior parte. O pior era o odor que o pé exalava, considerado por muitos homens como sexy. O processo de deformação durava cerca de três anos, e nesta altura o pé estava praticamente morto.
Os sapatos criados especialmente para estas mulheres faziam o suporte no calcanhar, levando as que podiam caminhar, a fazê-lo de forma bamboleante, ‘como um lótus abanando ao vento’, como eram descritas na literatura da época. (...) Existiam muitos artigos pornográficos, como pinturas e gravações com cenas de homens acarinhando os ‘pés de lótus’.
Os pés eram considerados ‘lótus de ouro’ se medissem cerca de 7,5 cm, de prata se tivessem 10 centímetros e de ferro, se tivessem mais do que esse comprimento. Os pés tornaram-se objeto de culto e conseqüentemente o mesmo aconteceu com os sapatos, alguns deles confeccionados pelas próprias mulheres, que os chegavam a usar até para dormir. A cor dos sapatos era muito importante, sendo que o vermelho era a mais popular.
O costume estava tão arraigado que mesmo alguns homens deformavam os pés, especialmente os bailarinos ou os prostitutos.
Foi em 1895 que se criou a primeira associação contra esta prática em Shanghai, num movimento que se alargou por todo o país. O ponto de partida para esta campanha era que as dores por que a mulher passava em todo o processo eram um obstáculo à sua educação. Os membros da associação não impunham este tratamento às filhas e registravam-nas na sociedade, permitindo assim encontrar maridos dispostos a casar com mulheres normais. Em relação aos filhos dos membros, estes não estavam autorizados a casar com mulheres ‘pés de lótus’.
Finalmente, em 1911, com a revolução de Yat-Sen esta prática foi formalmente proibida. Quando Mao Tse-Tung subiu ao poder, condenou esta prática, mas continuaram a ser permitidos os livros de cabeceira que mostravam as várias técnicas sexuais possíveis com ‘os pés de lótus’. Mais tarde estes livros foram queimados, assim como outros que invocavam a China pré-revolucionária, durante a revolução cultural. A proibição de Mao ia ao ponto de enviar inspetores por todo o país que aplicavam multas a todas as famílias que continuassem a praticar este processo. Em 1998 encerrou a última casa que manufaturava os sapatos para mulheres ‘lótus’.
Crê-se que mais de 4.5 bilhões de chinesas foram submetidas a este tratamento durante um período de mil anos, tudo em nome de uma moda e de uma cultura sexual.
Adaptado do texto no site Mulher Portuguesa.