domingo, junho 01, 2008

D. João VI no Correio Braziliense


O Correio Braziliense é o jornal mais importante de Brasília e veio com uma série de matérias comemorativas dos seus 200 anos... ou dos 200 anos do primeiro jornal do brasil, chamado de Correio Braziliense. Vou estar postando toda a série aqui. Esta é a quarta.

Há 200 anos
Um país tão rico quanto os EUA

Luís Osvaldo Grossmann
Da equipe do Correio

Jamais uma casa real européia atravessara o Atlântico. Viajar de navio não era só demorado como tinha seus perigos, dos naufrágios às doenças pelas condições insalubres das longas travessias, das quais os piolhos que infestaram os barcos da corte portuguesa foram o menor dos problemas. Ao deixar Lisboa, Dom João moveu-se para salvar a própria cabeça e a monarquia liderada pela casa de Bragança. Talvez fosse menos arriscado fugir para outras possessões lusas, mas a escolha pelo Brasil era uma imposição econômica.

Senhores dos mares três séculos antes, os portugueses chegaram à costa brasileira em barcos mal conservados, com cordumes podres e velas que se rasgavam. Era o retrato de uma nação empobrecida, que para pagar a viagem e a escolta inglesa, a maior marinha de guerra do mundo, tomara 600 mil libras à própria Inglaterra — dinheiro que seria parte da dívida de 2 milhões de libras que o Brasil herdaria de Portugal com a independência, 15 anos depois.

À decadência lusa, o porto do Rio de Janeiro representava um forte contraste. Cruzamento transoceânico para navios que partiam da Europa e da América do Norte para Ásia, África e Oceania, a capital brasileira recebia cerca de mil navios por ano. Era uma escala importante nas demoradas navegações ao redor do planeta. E mais. Nos duzentos anos anteriores, o açúcar firmara-se como a mercadoria mais importante do comércio mundial, superando em valor o comércio de grãos, carne, peixes, tabaco, especiarias, tecidos ou metais.

Balança comercial

Na virada do século 19, as exportações do Brasil incluíam 125 produtos, de algodão a diamantes, de café a couros. Na década anterior a 1808, as exportações brasileiras responderam por 83,7% de tudo o que as colônias portuguesas enviaram à metrópole — e as reexportações das mesmas renderam 56,6% das receitas lusitanas no comércio exterior.

No todo, essas exportações chegavam a 4 milhões de libras anuais. Mas, nas contas de Celso Furtado, que se debruçou sobre o tema para escrever Formação Econômica do Brasil, a economia girava quatro vezes mais: 16 milhões de libras. No início do século 19, o Brasil era um país tão rico quanto os Estados Unidos, independentes desde 1776.

A força dessa economia foi construída a partir das grandes plantações, especialmente de cana, mas também de algodão e da ainda pequena, mas promissora, cultura do café. A cana dominava a costa de Pernambuco a São Paulo. No norte, do Pará ao Ceará, era o algodão. Com ouro e diamantes, parte dessa energia ganhou o interior, estendendo-se até Mato Grosso. E o café, que começou no Rio, aos poucos se estendia para São Paulo e Minas.

Um elemento, porém, é comum e essencial a todo esse complexo produtivo: o escravo. Mais rentável das mercadorias negociadas, origem das maiores fortunas da colônia, razão de desenvolvimento mesmo das economias do extremo sul e da ponta nordeste, que viviam indiretamente das plantações e das minas.

Agricultura

Além disso, a estrutura das grandes plantações demanda cobre, ferro, alcatrão, medicamentos, sal, vinagre, vestuário, prego, velas, comida para os escravos e animais para transporte. Do Rio Grande do Sul tropeiros levavam mulas, cavalos e gado, além de couro e sebo, mas especialmente o charque, base da alimentação dos escravos. Santa Catarina e Paraná ainda eram parte de São Paulo, mas integravam esse circuito do gado, além do primeiro produzir óleo de baleia e o segundo erva-mate. O sul do Maranhão e o interior do Piauí também forneciam gado e seus subprodutos para as fazendas do norte, enquanto papel semelhante foi sendo ocupado por Piauí e Paraíba no Nordeste.

São Paulo, que era o grande entroncamento ao sul, distribuía esses produtos para o interior — Minas, Goiás e Mato Grosso — além de contar ele próprio com plantações de cana e um pouco de café. Do Nordeste, através do vale do São Francisco, insumos também chegavam a Minas Gerais, então o estado mais populoso e que contava até com os primórdios de uma indústria têxtil.

No topo dessa cadeia estavam as praças de Salvador e Rio de Janeiro. A Bahia era a segunda principal porta de entrada de escravos, o maior produtor de açúcar e tabaco, dois dos principais artigos de exportação do século 17, e também tinha algodão. Mas a riqueza grande estava na capital, entre os comerciantes. E, dentro do comércio, o tráfico de escravos não tinha rival em lucratividade.

Escolha errada

No século 18, chegaram ao Rio de Janeiro 850 mil escravos, o que envolvia uma complexa operação que começava com a construção, compra ou aluguel de navios — alguns deles importados; exigia a formação de estoque para a troca — tecidos asiáticos, cachaça brasileira e armas européias; os alimentos para a travessia — farinha de mandioca; e toda uma rede de distribuição que do Rio se estendia a Mato Grosso e Buenos Aires. E era sob as ordens dos traficantes de escravos cariocas que correspondentes agiam principalmente em Angola para capturar os negros.

A mobilização desses recursos exigia capital forte. Essa operação custava entre 15 e 30 contos de réis, dinheiro suficiente para comprar três engenhos de açúcar com 1,5 mil hectares, 40 escravos e benfeitorias. Como explicou Jorge Caldeira, “não é de estranhar que, comparados aos grandes traficantes, os mais poderosos senhores rurais brasileiros não passassem de simples gotas no oceano monetário das fortunas negreiras”.

Com tanto em jogo, também não surpreende que o Brasil tenha sido o último país a abolir a escravidão. Mas talvez seja enganoso explicar por essa via o posterior atraso econômico do país. Todas as ricas nações européias e os Estados Unidos utilizaram largamente o trabalho escravo e lucraram cifras astronômicas com o tráfico. Ainda que não justifique a escravidão, tampouco essa serve como explicação para a decadência. Se nos primeiros anos do século 19 o Brasil era tão rico como os Estados Unidos, ao se aproximar dos 1900 teria uma economia de apenas a décima parte da norte-americana, foram as escolhas ao longo desse intervalo que definiram tal descompasso.

Burocracia importada

Mesmo falida, a corte que aportou no Brasil era vasta. Entre 10 mil e 15 mil portugueses singraram o Atlântico em quase 50 navios — quando os EUA transferiram sua capital da Filadélfia para Washington, apenas oito anos antes, o total de funcionários não superava 1 mil. Além da família real, vieram 276 fidalgos, 2 mil funcionários reais, 700 padres, 500 advogados, 200 praticantes da medicina e 5 mil militares.

Gastos públicos

A simples transferência do rei e de 15 mil funcionários redirecionou os gastos públicos. Em 1808 foram instalados no Rio os ministérios, os conselhos de Estado, Militar e da Fazenda, tribunais superiores, academias militar e da marinha e a biblioteca. Se antes da vinda da Coroa boa parte dos recursos para financiar tal estrutura seguiam do Brasil para Portugal, agora o dinheiro circulava na colônia.

Novos nobres

A distribuição de títulos de nobreza e comendas e as oportunidades que as honrarias abriam no serviço público foram as primeiras formas de arrecadação. Ao chegar ao Brasil Dom João outorgou mais títulos que Portugal concedera desde sua independência, no século 12. Como observou o historiador Pedro Calmon, “em Portugal, para fazer-se um conde se pediam quinhentos anos; no Brasil, quinhentos contos”.

Editor: Raul Pilati// raul.pilati@correioweb.com.br
Subeditores: Sandro Silveira, Maísa Moura
Coordenador: Carlos Alberto Jr.
e-mail:negocios@correioweb.com.br
Tel. 3214-1148

Nenhum comentário: