Matéria do Le Monde publicada no site do UOL.
Os sete morros de Olinda
Véronique Mortaigne
Enviada especial a Olinda-PE
Olinda não é Roma, mas dizem da cidade tropical que ela tem sete morros. A contagem não é fácil, pois, em meio ao clima dominado pelo eterno embalo do vento, os coqueiros, as mangueiras e as frutas-pães confundem a exatidão topográfica. Olinda é tricolor: verde (as árvores), azul (o mar) e branca (os conventos).
Olinda é tão pagã e dissipada quanto religiosa; nela, as religiões, católica, protestante, judaica, vodu, etc., parecem tão diluídas que isso acaba se tornando um sentimento. Sobre um morro, a catedral da Sé (cuja construção foi iniciada em 1537); sobre um outro, o seminário franciscano. Do outro lado, o farol erguido nos anos 1950, preto e branco, baixinho, nostálgico, firmemente plantado e indestrutível, uma espécie de "Cinema Paradiso" do ponto de vista marítimo.
Em 1860, Emmanuel Liais, um astrônomo francês fissurado por Marte que se apaixonara pelas redondezas e as curvas olindenses, havia instalado seu observatório sobre o Alto da Sé. Nele, ele descobrira um cometa, historicamente o primeiro a ser observado em caráter oficial no Brasil, e que ele batizara de cometa Olinda, até o dia em que ele resolveu dedicar-se à botânica. Todas as frutas de nomes indígenas, caju, pitomba, jabuticaba, pitanga, mamão, goiaba, graviola, maracujá... (o qual deve ser tomado em forma de suco) fascinaram os europeus, que, no decorrer das ocupações coloniais e das missões científicas, trouxeram nas suas bagagens desenhistas e naturalistas. Assim, o holandês Maurício de Nassau, que se instalou em Pernambuco onde permaneceu de 1630 a 1665, havia confiado aos seus compatriotas Frans Post e Albert Eckhout a missão de desenharem e gravarem este Brasil tão luxuriante.
Em meio ao ambiente suave quase místico que Olinda mantém nos seus bistrôs, contam que num belo dia de 1947 uma linda organista de traços indígenas ofereceu um suco de graviola para um jovem franciscano alemão que havia desembarcado recentemente para viver no convento de São Francisco. Que em decorrência deste gesto de pura bondade, eles se casaram; que ele se tornou contador numa usina de cana-de-açúcar e que eles tiveram uma filha totalmente brasileira chamada Hildegarde.
Alguns anos atrás, o Comitê de festas de Olinda, cidade que possui o mais célebre dos carnavais de ruas do Brasil junto com o de Salvador da Bahia, havia organizado os desfiles da Terça-feira Gorda sobre o tema das obras de Eckhout: abacaxis gigantes, mulheres índias planturosas, guerreiros armados com flechas, peixes-gatos, linces e cobras. A fauna e a flora deambulavam nas vielas pavimentadas, cutucando as concavidades das encostas, organizando a confusão sobre os promontórios ao cruzarem com as marionetes gigantes do frevo (com fanfarras e tudo) e com os grupos negros de maracatu (com os seus tambores).
Contar os morros nessas condições é um desafio. O músico e cantor Alceu Valença, um famoso olindense, prefere as imagens da estética feminina à cartografia detalhada. A respeito da sua cidade, ele compôs um "Sonho de Valsa", música que celebra um diálogo de paz com aquela que ele chama de "a minha mulher": "Tu és linda / Pra mim és ainda / Minha mulher / Calada / O silêncio rompe a madrugada".
Por sua vez, Gilberto Freyre (1900-1987), um escritor e sociólogo, estava em busca da precisão. Autor de um dos livros fundadores do pensamento moderno brasileiro, "Casa Grande e Senzala" (1933), ele recenseou oito morros em Olinda. Em 1944, ele também escreveu um muito poético "Guia de Olinda", cuja sexta edição acaba de ser publicada. Esta obra nunca saiu de moda, apesar dos avanços do progresso e da construção civil no Brasil moderno, que não prejudicaram a antiga cidade. Fundada em 1537 pelos portugueses, a cidade, que está classificada no patrimônio mundial pela Unesco desde 1982, deveria o seu nome à exclamação de um serviçal de Duarte Coelho, o colonizador: "Oh! Linda!", teria exclamado o comovido ajudante, contemplando do alto dos morros o oceano de reflexos de esmeralda.
Os engenhos
Olinda pertence à aristocracia brasileira das cidades "históricas": Ouro Preto, o ouro e o barroco das Minas Gerais, no centro; Parati, o refúgio dos piratas, ao sul; Alcântara, no Maranhão, o sonho de conquista do rio Amazonas... Durante dois séculos, quando foi a capital do Estado do Pernambuco, Olinda fez frutificar sua riqueza com o comércio da cana-de-açúcar. Esta era cultivada pelos escravos vindos da África, nas lavouras dos engenhos, as fazendas nos arredores da cidade, das quais muitos dos proprietários eram judeus portugueses. Estes haviam sido convertidos à força ao catolicismo em 1497, e obrigados a partirem para as colônias - recentemente, foi restaurada no Recife aquela que fora a primeira sinagoga das Américas.
A cidade apresenta feições arquitetônicas do barroco tardio português, além das marcas da passagem dos holandeses. Esses últimos, vindos como colonizadores concorrentes, saquearam a torto e a direito antes de passarem a atuar como civilizadores. O Convento São Francisco, o primeiro convento franciscano do Brasil, construído em 1577 e que desaparecera num incêndio, fora reconstruído entre 1615 e 1630, desta vez com o acréscimo de esplêndidos azulejos nos quais é contada a história colonial e a vida de são Francisco.
Olinda foi uma espécie de Coimbra - a grande cidade universitária de Portugal - brasileira. Em 1627, o padre Antonio Vieira (1608-1697), o mais célebre dos pregadores jesuítas, um defensor dos povos indígenas e dos escravos africanos, ensinou a retórica na então capital pernambucana - ele tinha apenas 18 anos, então. Mais tarde, a cidade abrigou a Escola Superior de Direito, que atuou em favor da evolução do Brasil imperial rumo à República.
Nela, o arcebispado até hoje tem a sua sede. Dom Helder Câmara (1909-1999), o bispo "vermelho", defensor dos sem-terra e um opositor fervoroso à ditadura militar, tomava a frente de procissões no meio da gente simples. Aliás, como santo padroeiro Olinda escolheu o "povorello", o pobrinho, Francisco de Assis. O pregador do sermão aos pássaros é atualmente representado por meio de estatuetas de terra cozida.
O antigo mercado de escravos
Os moleques brincalhões costumam conduzir os turistas até as bancas de artesanato, na frente da catedral ou na Ribeira, o antigo mercado de escravos. Eles têm uma lábia expressiva e agitada, o olhar atrevido. Num instante, eles desaparecem no meio das vielas coloridas. Para eles, o Nordeste inventou um excelente doce de mandioca com castanha de caju, o muito bem chamado pé-de-moleque, que sem dúvida deve o seu nome à sua cor marrom escuro e à sua aparência um pouco rústica e queimada.
Ao anoitecer, os ruídos de Olinda se sobrepõem às histórias: cânticos que transpiram das igrejas, tambores e fanfarras dos ensaios carnavalescos, cantos das rãs e dos grilos, gritos do vendedor de tapioca (bolinhos à base de mandioca) ou de cocadas.
Olinda forma então um todo do qual nada pode ser dissociado. "Não há apenas as árvores que convivem numa excepcional intimidade com as igrejas antigas. Há também os pássaros e as crianças", escreveu Gilberto Freyre, oferecendo a seguinte explicação, absolutamente olindense: "Tudo isso é por causa da luz, que permite que a natureza refresque constantemente a tradição".
Tradução: Jean-Yves de Neufville
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