Não fiquei tocada com a morte da personagem Michael Jackson, não vou mentir para vocês. Fazia muito tempo que ele não produzia nada de fantástico em termos de música ou mesmo de positivo em termos sociais ou culturais. Jackson era no mínimo um doente – e é um dos casos raros em que considero a pedofilia um sintoma de doença – e não deveria ter vivido solto por aí e ainda com crianças sob sua tutela. Pois bem, mas em termos sociais ele era uma vítima da sociedade racista e obcecada pela imagem. Por conta disso, posto a matéria feita pelo Correio Braziliense. Queria muito que outros Jacksons – homens e mulheres negras – não tivessem que perseguir uma imagem ideal branca, da mesma forma que queria muito que as meninas e mulheres não tivessem que perseguir a magreza-anoréxica ou a juventude eterna. Segue a matéria:
A morte de um mito: Vítima de uma sociedade racista O filósofo Francisco Bosco vê no drama de Michael Jackson o preconceito enraizado dos EUA • Nahima Maciel
Michael Jackson morreu sem cor. Já não era negro. Vitiligo, tratamento para branquear ou cirurgia, pouco importa. A pele não era mais escura e isso passava muito longe do pó de arroz usado por Little Richard. Também não tinha mais o nariz grande e arredondado. Tampouco era branco, porque não nasceu assim. Sem saber (e provavelmente sem querer), o cantor fez do próprio corpo um panfleto que gritava as tensões raciais tão marcantes na cultura americana do século 20. O rosto deformado estampava o racismo profundamente enraizado numa sociedade incapaz de admitir problemas graves como oriundos de conflitos de raças. A constatação é do filósofo carioca Francisco Bosco, 32 anos, autor do ensaio O comedor de criancinhas, publicado em 2007 no livro Banalogias, conjunto de reflexões sobre a cultura contemporânea.
No texto, Bosco aponta Michael Jackson como o primeiro transracial da história, surgido de uma cultura em que o atenuamento das características negras no showbiz é instrumento de alívio de tensões sociais e caminho para o sucesso. Mariah Carey e Beyoncé alisam cabelos e pintam de louro. Diana Ross fez plástica no nariz. Heróis de desenhos animados japoneses têm grandes olhos redondos. São bonitos, mas somente se isto estiver intermediado por traços padronizados da beleza ocidental. Bosco defende que Michael Jackson foi além. Virou um mutante, ultrapassou a fronteira do confortável e aceitável, por isso acabou demonizado. Negou a própria raça e não aceitou completamente aquela que ditava o padrão ao transformar o corpo em algo disforme, desencaixado.
Bosco fala ainda em “hipocrisia do multiculturalismo”, um cenário no qual as diferenças raciais convivem, mas não se misturam. No máximo, se toleram. O discurso multicultural é típico da realidade norte-americana e pode ser visto como bandeira democrática e símbolo de tolerância, mas para o filósofo carioca está carregado de hipocrisia. Os tempos atuais, no entanto, apontam mudanças. Bosco acredita que na era Obama a figura de Michael Jackson não existiria. “A maior novidade histórica de Obama é mais radical do que ser um presidente negro. Ele é um presidente negro com discurso pós-racialista. Não surgiu sustentando um discurso racialista. A entrada em cena do Obama é um grande passo no sentido da amenização das tensões raciais que produziram o corpo do Michael Jackson”, diz, em entrevista ao Correio. Nesse sentido, a morte do cantor é quase simbólica. Leia ao lado a entrevista com o filósofo.
Três perguntas para Francisco Bosco
Michael já estava morto há muito tempo?
Não sei se estava morto por causa das transformações, porque elas começaram desde o Thriller. (Naquela época) ele não era o neguinho que surgiu aos 10 anos. A partir do Bad essas transformações adquiriram o caráter estranho. Até Thriller ele não se diferenciava fisicamente do padrão normal de atenuamento da beleza negra que a gente continua vendo hoje em dia. Mas a partir de Bad começou a ficar estranho. Até Dangerous, é uma pessoa relativamente normal. Depois, vira transracial, você não identifica nem com branco, nem com negro, não tem idade, sexo e vira esse troço que ninguém conseguia entender. Na verdade, quando ele estava no auge, essa questão existia com muita força. Não dá para dizer que as mutações fizeram com que decaísse artisticamente. Em geral esses artistas que vão muito alto muito subitamente não têm uma duração artística muito grande.
Quem matou Michael Jackson foi a cultura pop?
Não diria isso com todas as letras. Mas certamente o que fez com que fosse para esse caminho de cirurgias, mutações e reclusões foi a cultura pop norte-americana.
Por que o ódio a Michael e não a artistas como Beyoncé ou Mariah Carey, que também se embranquecem?
Mariah Carey e Beyoncé são a boa consciência norte-americana. São pretas que se embranquecem, mas não apagam as marcas ostensivamente negras e se aproximam do branco como se apagassem as tensões raciais norte-americanas. O corpo do Michael Jackson faz com que essas tensões gritem. Só ele fez isso. E sem saber, sem querer.
A morte de um mito: Vítima de uma sociedade racista O filósofo Francisco Bosco vê no drama de Michael Jackson o preconceito enraizado dos EUA • Nahima Maciel
Michael Jackson morreu sem cor. Já não era negro. Vitiligo, tratamento para branquear ou cirurgia, pouco importa. A pele não era mais escura e isso passava muito longe do pó de arroz usado por Little Richard. Também não tinha mais o nariz grande e arredondado. Tampouco era branco, porque não nasceu assim. Sem saber (e provavelmente sem querer), o cantor fez do próprio corpo um panfleto que gritava as tensões raciais tão marcantes na cultura americana do século 20. O rosto deformado estampava o racismo profundamente enraizado numa sociedade incapaz de admitir problemas graves como oriundos de conflitos de raças. A constatação é do filósofo carioca Francisco Bosco, 32 anos, autor do ensaio O comedor de criancinhas, publicado em 2007 no livro Banalogias, conjunto de reflexões sobre a cultura contemporânea.
No texto, Bosco aponta Michael Jackson como o primeiro transracial da história, surgido de uma cultura em que o atenuamento das características negras no showbiz é instrumento de alívio de tensões sociais e caminho para o sucesso. Mariah Carey e Beyoncé alisam cabelos e pintam de louro. Diana Ross fez plástica no nariz. Heróis de desenhos animados japoneses têm grandes olhos redondos. São bonitos, mas somente se isto estiver intermediado por traços padronizados da beleza ocidental. Bosco defende que Michael Jackson foi além. Virou um mutante, ultrapassou a fronteira do confortável e aceitável, por isso acabou demonizado. Negou a própria raça e não aceitou completamente aquela que ditava o padrão ao transformar o corpo em algo disforme, desencaixado.
Bosco fala ainda em “hipocrisia do multiculturalismo”, um cenário no qual as diferenças raciais convivem, mas não se misturam. No máximo, se toleram. O discurso multicultural é típico da realidade norte-americana e pode ser visto como bandeira democrática e símbolo de tolerância, mas para o filósofo carioca está carregado de hipocrisia. Os tempos atuais, no entanto, apontam mudanças. Bosco acredita que na era Obama a figura de Michael Jackson não existiria. “A maior novidade histórica de Obama é mais radical do que ser um presidente negro. Ele é um presidente negro com discurso pós-racialista. Não surgiu sustentando um discurso racialista. A entrada em cena do Obama é um grande passo no sentido da amenização das tensões raciais que produziram o corpo do Michael Jackson”, diz, em entrevista ao Correio. Nesse sentido, a morte do cantor é quase simbólica. Leia ao lado a entrevista com o filósofo.
Três perguntas para Francisco Bosco
Michael já estava morto há muito tempo?
Não sei se estava morto por causa das transformações, porque elas começaram desde o Thriller. (Naquela época) ele não era o neguinho que surgiu aos 10 anos. A partir do Bad essas transformações adquiriram o caráter estranho. Até Thriller ele não se diferenciava fisicamente do padrão normal de atenuamento da beleza negra que a gente continua vendo hoje em dia. Mas a partir de Bad começou a ficar estranho. Até Dangerous, é uma pessoa relativamente normal. Depois, vira transracial, você não identifica nem com branco, nem com negro, não tem idade, sexo e vira esse troço que ninguém conseguia entender. Na verdade, quando ele estava no auge, essa questão existia com muita força. Não dá para dizer que as mutações fizeram com que decaísse artisticamente. Em geral esses artistas que vão muito alto muito subitamente não têm uma duração artística muito grande.
Quem matou Michael Jackson foi a cultura pop?
Não diria isso com todas as letras. Mas certamente o que fez com que fosse para esse caminho de cirurgias, mutações e reclusões foi a cultura pop norte-americana.
Por que o ódio a Michael e não a artistas como Beyoncé ou Mariah Carey, que também se embranquecem?
Mariah Carey e Beyoncé são a boa consciência norte-americana. São pretas que se embranquecem, mas não apagam as marcas ostensivamente negras e se aproximam do branco como se apagassem as tensões raciais norte-americanas. O corpo do Michael Jackson faz com que essas tensões gritem. Só ele fez isso. E sem saber, sem querer.
Um comentário:
ola gostei muito do seu blog o meu e esse http://wwwacsrobertocom.blogspot.com/
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