Desde que li a primeira vez sobre Hypatia de Alexandria fui tomada de grande fascinação por ela. Daria um ótimo filme... Daí, o anúncio do filme Ágora, ainda inédito no Brasil, me fez ficar atenta a tudo que aparecia sobre ela. Pois bem, eu já assisti o filme, não acredito que ele será lançado em cinema por aqui, e pretendo fazer uma resenha. Mas comprei o nº499 da revista espanhola Historia Y Vida e havia um perfil curto sobre Hypatia. A revista chega com meses de atraso no Brasil, então, deve ter sido da época do lançamento na Espanha. Achei que valia a pena traduzir e colocar no blog. Pretendo passar para os meus alunos e alunas da faculdade na semana que vem. Segue o texto traduzido:
Inimiga Pública
Hipatia, resgatada pelo cinema por Amenábar, pecou por ser pouco convencional em tempos ultraortodoxos
Nicolás Brihuega, Historiador
Tanto por sua formação intelectual quanto por sua trágica morte, Hypatia de Alexandria é provavelmente a mais célebre de todas as mulheres que dedicaram a sua vida à ciência na Antigüidade. Dela possuímos dados suficientes para traçar uma biografia fidedigna. Ainda se desconhece a data exata de seu nascimento (são possíveis os anos de 350, 370 ou 375 d.C.), a de sua morte não representa dúvidas: foi assassinada no ano de 415. A Alexandria de sua época era uma cidade cosmopolita como nenhuma outra, um formigueiro de religiões competia para ganhar adeptos. De todas elas, a cristã, como religião oficial do Império Romano, perseguia o objetivo de eliminar os outros cultos. O paganismo, junto com as heresias que se afastavam do credo oficial, era o grande inimigo a bater.
Com este pano de fundo tão desfavorável para os cultos tradicionais, Hypatia exerceu o cargo de diretora da Biblioteca, instituição pagã por excelência. E o fez graças a sua formação cultural modelar. Seu pai, o filósofo e matemático Téon, se preocupou, contra o que era o padrão daqueles tempos, que sua educação fosse de primeira linha. Baseou sua preparação em um profundo conhecimento da filosofia, da astronomia e das matemáticas.
O modo de vida realmente original de uma mulher como Hypatia não passava despercebido a ninguém, provocando muita suspeita, em especial entre as autoridades da Igreja. Hypatia não era uma pessoa a quem interessavam os bens materiais. Se vestia humildemente, se alimentava de forma espartana e se cobria com o tribón, o manto tradicional dos filósofos. Sua fama ultrapassava fronteiras. Atenas, a antiga capital da filosofia, lhe concedeu a coroa de louros, uma distinção honorífica que era entregue aos intelectuais de maior prestígio e aos seus cidadãos prediletos.
No ano de 390, o bispo Teófilo (inimigo declarado do paganismo) ordenou a destruição dos templos gregos, inclusive a maravilhosa Biblioteca, com todo o seu conteúdo de livros “ímpios”. Se havia alguém que despertava o ódio doentio do bispo, esta era Hypatia. Ninguém como ela conhecia e explicava a Aritmética de Diofanto, um tratado sobre equações de primeiro e segundo grau. Seus conhecimentos de astronomia foram fundamentais para a invenção do astrolábio plano, empregado para medir a posição das estrelas, os objetos celestes e o sol, além de calcular o tempo e o signo ascendente do zodíaco.
O sucessor de Teófilo no episcopado alexandrino não seria mais tolerante. Se tratava de seu sobrinho Cirilo. O novo bispo desejava que a cidade fosse plenamente cristã e não teve dúvidas em se rodear de uma brutal guarda pretoriana, os Parabolani, jovens fanáticos que, sob as ordens de Cirilo, organizavam razias contra os adversários políticos ou religiosos.
Convertida em Bruxa
Hypatia era, além de uma intelectual perigosa, amiga pessoal do governador alexandrino Orestes, entre outros notáveis, tanto pagãos quanto cristãos. O bispo não só arremeteu contra ela por seu pecado de não adorar o Cristo, como também se encarregou de propagar o rumor de que praticava magia negra. Incitou seus fanáticos seguidores para, enquanto deixava claro quem ostentava o poder na cidade, eliminar a conselheira e confidente de Orestes.
João, bispo de Nikiu, narra em sua Crônica como aconteceu o assassinato da filósofa: “Uma multidão de crentes em Deus apareceu sob a direção do magistrado Pedro (um ajudante de Cirilo), e foram buscar a mulher pagam que tinha dominado as pessoas da cidade e o prefeito com sues encantamentos. Quando descobriram o lugar em que estava, a seguiram e a encontraram em uma cadeira, e tomando posse dela a arrastaram até a igreja de Cesarión... Rasgaram suas roupas e a arrastaram pelas ruas até que morreu. Logo a levaram para o Cenarión e queimaram o seu corpo. As pessoas rodearam ao patriarca Cirilo e o chamaram de “o novo Teófilo”, porque havia destruído os últimos restos de idolatria da cidade”. Arrastada violentamente de sua casa pela turba de fanáticos, ao que parece arrancaram sua pela com pedaços de cerâmica (ostrokoi).
A morte de Hypatia não só significou a desaparecimento violento de uma das mentes mais privilegiadas da Antigüidade. Sua eliminação foi um passo a mais na lenta agonia da filosofia helenística. Teríamos que esperar até o Iluminismo para que se produzisse um renascimento do interesse por Hypatia, graças a historiadores como Edward Gibbon. Em sua luta contra a religião e em sua incondicional defesa do livre pensamento, os homens das luzes converteram Hypatia em uma precursora de tudo o que defendiam.
Inimiga Pública
Hipatia, resgatada pelo cinema por Amenábar, pecou por ser pouco convencional em tempos ultraortodoxos
Nicolás Brihuega, Historiador
Tanto por sua formação intelectual quanto por sua trágica morte, Hypatia de Alexandria é provavelmente a mais célebre de todas as mulheres que dedicaram a sua vida à ciência na Antigüidade. Dela possuímos dados suficientes para traçar uma biografia fidedigna. Ainda se desconhece a data exata de seu nascimento (são possíveis os anos de 350, 370 ou 375 d.C.), a de sua morte não representa dúvidas: foi assassinada no ano de 415. A Alexandria de sua época era uma cidade cosmopolita como nenhuma outra, um formigueiro de religiões competia para ganhar adeptos. De todas elas, a cristã, como religião oficial do Império Romano, perseguia o objetivo de eliminar os outros cultos. O paganismo, junto com as heresias que se afastavam do credo oficial, era o grande inimigo a bater.
Com este pano de fundo tão desfavorável para os cultos tradicionais, Hypatia exerceu o cargo de diretora da Biblioteca, instituição pagã por excelência. E o fez graças a sua formação cultural modelar. Seu pai, o filósofo e matemático Téon, se preocupou, contra o que era o padrão daqueles tempos, que sua educação fosse de primeira linha. Baseou sua preparação em um profundo conhecimento da filosofia, da astronomia e das matemáticas.
O modo de vida realmente original de uma mulher como Hypatia não passava despercebido a ninguém, provocando muita suspeita, em especial entre as autoridades da Igreja. Hypatia não era uma pessoa a quem interessavam os bens materiais. Se vestia humildemente, se alimentava de forma espartana e se cobria com o tribón, o manto tradicional dos filósofos. Sua fama ultrapassava fronteiras. Atenas, a antiga capital da filosofia, lhe concedeu a coroa de louros, uma distinção honorífica que era entregue aos intelectuais de maior prestígio e aos seus cidadãos prediletos.
No ano de 390, o bispo Teófilo (inimigo declarado do paganismo) ordenou a destruição dos templos gregos, inclusive a maravilhosa Biblioteca, com todo o seu conteúdo de livros “ímpios”. Se havia alguém que despertava o ódio doentio do bispo, esta era Hypatia. Ninguém como ela conhecia e explicava a Aritmética de Diofanto, um tratado sobre equações de primeiro e segundo grau. Seus conhecimentos de astronomia foram fundamentais para a invenção do astrolábio plano, empregado para medir a posição das estrelas, os objetos celestes e o sol, além de calcular o tempo e o signo ascendente do zodíaco.
O sucessor de Teófilo no episcopado alexandrino não seria mais tolerante. Se tratava de seu sobrinho Cirilo. O novo bispo desejava que a cidade fosse plenamente cristã e não teve dúvidas em se rodear de uma brutal guarda pretoriana, os Parabolani, jovens fanáticos que, sob as ordens de Cirilo, organizavam razias contra os adversários políticos ou religiosos.
Convertida em Bruxa
Hypatia era, além de uma intelectual perigosa, amiga pessoal do governador alexandrino Orestes, entre outros notáveis, tanto pagãos quanto cristãos. O bispo não só arremeteu contra ela por seu pecado de não adorar o Cristo, como também se encarregou de propagar o rumor de que praticava magia negra. Incitou seus fanáticos seguidores para, enquanto deixava claro quem ostentava o poder na cidade, eliminar a conselheira e confidente de Orestes.
João, bispo de Nikiu, narra em sua Crônica como aconteceu o assassinato da filósofa: “Uma multidão de crentes em Deus apareceu sob a direção do magistrado Pedro (um ajudante de Cirilo), e foram buscar a mulher pagam que tinha dominado as pessoas da cidade e o prefeito com sues encantamentos. Quando descobriram o lugar em que estava, a seguiram e a encontraram em uma cadeira, e tomando posse dela a arrastaram até a igreja de Cesarión... Rasgaram suas roupas e a arrastaram pelas ruas até que morreu. Logo a levaram para o Cenarión e queimaram o seu corpo. As pessoas rodearam ao patriarca Cirilo e o chamaram de “o novo Teófilo”, porque havia destruído os últimos restos de idolatria da cidade”. Arrastada violentamente de sua casa pela turba de fanáticos, ao que parece arrancaram sua pela com pedaços de cerâmica (ostrokoi).
A morte de Hypatia não só significou a desaparecimento violento de uma das mentes mais privilegiadas da Antigüidade. Sua eliminação foi um passo a mais na lenta agonia da filosofia helenística. Teríamos que esperar até o Iluminismo para que se produzisse um renascimento do interesse por Hypatia, graças a historiadores como Edward Gibbon. Em sua luta contra a religião e em sua incondicional defesa do livre pensamento, os homens das luzes converteram Hypatia em uma precursora de tudo o que defendiam.
Um comentário:
Assisti ao filme. Não sou crítica de cinema, mas me pareceu uma produção excelente, um filme maravilhoso. Por outro lado, é estarrecedor, nos conta uma tragédia sem sentido, fruto da ignorância de uma parcela da população (de fanáticos religiosos) àquela época. Hypatia, em vida, já era um fenômeno, por assim dizer. Como mártir, sobreviveu ao tempo e influenciou muitos estudiosos. O que me faz pensar que há verdade no fato de que se pode matar uma pessoa, mas não as suas ideias...
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