Uma das boas lembranças da minha infância é assistir filmes de faroeste com meu pai. Até hoje, ele é muito fã do gênero. Com o tempo, fui descobrindo o quão peculiar é o "faroeste espaguete", a bela música de Enio Morricone, e, claro, que foi esse tipo de filme que projetou Clint Eastwood. hoje, muito do cinema pop bebe na genialidade de Sergio Leone e podemos ver isso, por exemplo, Kick-Ass. Enfim, segue a matéria do Correio Braziliense. Haverá uma mostra do gênero no CCBB daqui do DF.
Bangue-bangue e espaguete
Mostra resgata melhores filmes do faroeste italiano, como Django, Três homens em conflito e Eles me chamam Trinity
Ricardo Daehn
O gênero cinematográfico homenageado pode até ser dos mais antigos, com Certidão de Nascimento datada de 1903, mas a verdade é que a mostra Faroeste spaghetti: o bangue-bangue à italiana, a partir de terça-feira no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), tem por mérito avançar na exibição de um nicho de subprodutos irreverentes (por vezes, austeros) capazes de, reformulados, repercutir por décadas. Contemporâneos ao cinema existencialista de Michelangelo Antonioni e às populares comédias à italiana, e antecessores do cinema político da terra de Elio Petri, os mal distribuídos (no Brasil) títulos do faroeste espaguete engataram uma linha de produção sessentista na qual, em dois anos, foram feitos mais de 130 filmes.
Sem pretender fazer uma representação histórica (acatando o tipo de western que encobriu até a matança dos índios), o faroeste spaghetti se valeu de redefinições nos heroicos conceitos de pioneirismo e nas lambanças que propunham o restabelecimento da ordem em vilarejos, isso sem desprezar a função dinâmica das cenas de acertos de contas. Aparar o psicologismo excessivo nos títulos norte-americanos foi uma das metas de Sergio Leone, o representante máximo das inovações com o faroeste spaghetti, tido por Clint Eastwood como um terreno “para a comédia atuada com absoluta seriedade”.
O diretor de Menina de ouro, por sinal, se converteu ao culto de Leone, por um irrisório salário de US$ 15 mil, mais as passagens para a Espanha, ambiente das filmagens de Por um punhado de dólares (1964), que inaugurou a confraria, estendida por seis filmes, entre Leone e o mitificado compositor Ennio Morricone.
Enquanto o diretor John Sturges assumiu o decalque de Os sete samurais (de Akira Kurosawa), no clássico western Sete homens e um destino (1960), Sergio Leone, baseado em Yojimbo (outra fita de samurai de Kurosawa), comandou Por um punhado de dólares (programado para a mostra) com mesclas de humor e fatalismo para o primeiro dos “homens sem nomes” embutidos numa trilogia dos dólares (que terá exibição completa no CCBB). No roteiro que cunhou a célebre expressão “Adiós, amigo”, Clint Eastwood era o forasteiro Joe, que, metido numa contenda das dinastias Baxter e Rojo, em torno de contrabandos, se torna volúvel, na mexicana região de San Miguel.
Referencial, ao menos no nome, para toda a sorte de genéricos que se apropriaram do papel-título, Django (1966), outro eleito para a mostra em Brasília, trouxe “o papel mais importante da carreira” para Franco Nero, ator de filmes até de Luis Buñuel e Rainer-Werner Fassbinder. Morto há 20 anos, o diretor Sergio Corbucci, que adotou o pseudônimo Stanley Corbett (num artifício corriqueiro, haja vista inclusive Leone se autodenominar Bob Robertson) na realização de Django prestou homenagem, pelo título, ao jazzista Django Reinhardt.
Ex-crítico de cinema e diretor assistente de Roberto Rossellini, Corbucci — com passado inserido no gueto capa, espada e sandálias — também teve samurais como fonte de inspiração para a história do pistoleiro que carrega um misterioso caixão e atira a esmo, depois de chegar a uma região esvaziada pelo racismo, entre outras fontes de intolerância. Com esmero técnico, o filme tem notável música de Luis Enríquez Bacalov (premiado com O carteiro e o poeta), além de fotografia assinada por Enzo Barboni.
Barboni, por sinal, está representado em Faroeste spaghetti: o bangue-bangue à italiana por Eles me chamam Trinity (1970) e Trinity ainda é meu nome (1971), ambos calcados na química de bons desentendimentos fundada pela dupla Carlo Pedersoli e Mario Girotti, mais conhecida por Bud Spencer e Terence Hill. Bom “castigo”, aliás, foi imposto para Hill, segundo o diretor Tonino Valerii, que, no cultuado Meu nome é ninguém (1973), fez o antigo pândego Hill encarar o lendário Henry Fonda (na pele do quase aposentado ídolo Jack Beauregard). Produzido por Sergio Leone, o filme — que traz uma marcante cena de impostores infiltrados numa barbearia — foi realizado na província espanhola da Almería (com outras cenas ainda nos EUA) e encerra uma espécie de epitáfio ao faroeste spaghetti, com reverências que se estendem a Sam Peckinpah (Meu ódio será sua herança) e Samuel Fuller (Matei Jesse James).
Bangue-bangue e espaguete
Mostra resgata melhores filmes do faroeste italiano, como Django, Três homens em conflito e Eles me chamam Trinity
Ricardo Daehn
O gênero cinematográfico homenageado pode até ser dos mais antigos, com Certidão de Nascimento datada de 1903, mas a verdade é que a mostra Faroeste spaghetti: o bangue-bangue à italiana, a partir de terça-feira no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), tem por mérito avançar na exibição de um nicho de subprodutos irreverentes (por vezes, austeros) capazes de, reformulados, repercutir por décadas. Contemporâneos ao cinema existencialista de Michelangelo Antonioni e às populares comédias à italiana, e antecessores do cinema político da terra de Elio Petri, os mal distribuídos (no Brasil) títulos do faroeste espaguete engataram uma linha de produção sessentista na qual, em dois anos, foram feitos mais de 130 filmes.
Sem pretender fazer uma representação histórica (acatando o tipo de western que encobriu até a matança dos índios), o faroeste spaghetti se valeu de redefinições nos heroicos conceitos de pioneirismo e nas lambanças que propunham o restabelecimento da ordem em vilarejos, isso sem desprezar a função dinâmica das cenas de acertos de contas. Aparar o psicologismo excessivo nos títulos norte-americanos foi uma das metas de Sergio Leone, o representante máximo das inovações com o faroeste spaghetti, tido por Clint Eastwood como um terreno “para a comédia atuada com absoluta seriedade”.
O diretor de Menina de ouro, por sinal, se converteu ao culto de Leone, por um irrisório salário de US$ 15 mil, mais as passagens para a Espanha, ambiente das filmagens de Por um punhado de dólares (1964), que inaugurou a confraria, estendida por seis filmes, entre Leone e o mitificado compositor Ennio Morricone.
Enquanto o diretor John Sturges assumiu o decalque de Os sete samurais (de Akira Kurosawa), no clássico western Sete homens e um destino (1960), Sergio Leone, baseado em Yojimbo (outra fita de samurai de Kurosawa), comandou Por um punhado de dólares (programado para a mostra) com mesclas de humor e fatalismo para o primeiro dos “homens sem nomes” embutidos numa trilogia dos dólares (que terá exibição completa no CCBB). No roteiro que cunhou a célebre expressão “Adiós, amigo”, Clint Eastwood era o forasteiro Joe, que, metido numa contenda das dinastias Baxter e Rojo, em torno de contrabandos, se torna volúvel, na mexicana região de San Miguel.
Referencial, ao menos no nome, para toda a sorte de genéricos que se apropriaram do papel-título, Django (1966), outro eleito para a mostra em Brasília, trouxe “o papel mais importante da carreira” para Franco Nero, ator de filmes até de Luis Buñuel e Rainer-Werner Fassbinder. Morto há 20 anos, o diretor Sergio Corbucci, que adotou o pseudônimo Stanley Corbett (num artifício corriqueiro, haja vista inclusive Leone se autodenominar Bob Robertson) na realização de Django prestou homenagem, pelo título, ao jazzista Django Reinhardt.
Ex-crítico de cinema e diretor assistente de Roberto Rossellini, Corbucci — com passado inserido no gueto capa, espada e sandálias — também teve samurais como fonte de inspiração para a história do pistoleiro que carrega um misterioso caixão e atira a esmo, depois de chegar a uma região esvaziada pelo racismo, entre outras fontes de intolerância. Com esmero técnico, o filme tem notável música de Luis Enríquez Bacalov (premiado com O carteiro e o poeta), além de fotografia assinada por Enzo Barboni.
Barboni, por sinal, está representado em Faroeste spaghetti: o bangue-bangue à italiana por Eles me chamam Trinity (1970) e Trinity ainda é meu nome (1971), ambos calcados na química de bons desentendimentos fundada pela dupla Carlo Pedersoli e Mario Girotti, mais conhecida por Bud Spencer e Terence Hill. Bom “castigo”, aliás, foi imposto para Hill, segundo o diretor Tonino Valerii, que, no cultuado Meu nome é ninguém (1973), fez o antigo pândego Hill encarar o lendário Henry Fonda (na pele do quase aposentado ídolo Jack Beauregard). Produzido por Sergio Leone, o filme — que traz uma marcante cena de impostores infiltrados numa barbearia — foi realizado na província espanhola da Almería (com outras cenas ainda nos EUA) e encerra uma espécie de epitáfio ao faroeste spaghetti, com reverências que se estendem a Sam Peckinpah (Meu ódio será sua herança) e Samuel Fuller (Matei Jesse James).
Do luxo ao nicho
Dos recorrentes enredos que tocam em desbravamentos ferroviários ou investem em fugas e aventuras rocambolescas, a mostra Faroeste spaghetti: o bangue-bangue à italiana reserva insuspeitas curiosidades. São factoides do porte da investida dos socialmente engajados Damiano Damiani e Klaus Kinski no popularesco gênero, com Uma bala para o general (1966). Na lista, vale destacar as excentricidades prévias do cineasta Enzo Castellari — saudado por Quentin Tarantino na apropriação do título The inglorious bastards (1978). Castellari, que levou até personagens shakespearianos para os saloons, em Johnny Hamlet (1968), na mostra do CCBB será representado por Keoma (1976), encabeçado pelo solitário personagem de Franco Nero. No ano em que esteve à frente de outros três filmes, 1969, Giuseppe Colizzi é lembrado, na programação, por Trinity — A colina dos homens maus.
Finalmente, seria uma completa heresia falar de faroeste spaghetti sem citar Era uma vez no Oeste (1968), uma ritualística obra de Sergio Leone, com cinco longas integrados ao painel que tem Alexandre Sivolella como curador. Se cruzou fronteiras “interplanetárias” do épico (como definido por um crítico estrangeiro), com Três homens em conflito (1966) — centrado em Clint Eastwood, Lee van Cleef e Eli Wallash, literalmente, enterrados pela ganância que circunda 200 mil ilícitos dólares —, Leone teve como alicerce as imagens capturadas por Tonino Delli Colli. É do mesmo profissional que, novamente, ele se vale, no revisionista Era uma vez no Oeste, que teve a versão integral propiciada, em 1980, pelo interesse pessoal de Martin Scorsese.
Faroeste spaghetti: o bangue-bangue à italiana
Centro Cultural Banco do Brasil (SCES, Tc. 2; 3310-7087). De terça-feira a 22 de agosto, com sessões diárias (exceto às segundas-feiras). Vinte filmes selecionados sob a curadoria de Alexandre Sivolella serão apresentados em película, a partir do apoio do Instituto Italiano de Cultura. Ingressos, R$ 4 e R$ 2 (meia). Não recomendado para menores de 12 anos.
Música para os olhos
Depois de incursões como arranjador para músicas de Mario Lanza e Rita Pavone, para além das animações em clubes noturnos, Ennio Morricone seguiu em direção a uma sólida carreira de compositor de trilhas cinematográficas e televisivas, num invejável conjunto com mais de 400 produções. Se começou a compor aos seis anos, Morricone seguramente foi influenciado pelo pai, um trompetista de jazz. O trombone foi instrumento de interesse para ele, que, dado o acelerado aprendizado, concluiu em menos de dois anos o curso de música na prestigiada Accademia di Santa Cecilia (Itália).
Tendo trabalhado com diretores de peso, entre os quais Gillo Pontecorvo, Terrence Malick, Roman Polanski e até Federico Fellini, aos 81 anos, Morricone — que traz no currículo trilhas inesquecíveis como as de A missão (1986) e Os intocáveis (1987) — nunca se livrou do próprio legado, uma vez que é indissociável das colaborações com os faroestes, particularmente aqueles assinados por Sergio Leone.