O primeiro livro completo que li este ano foi “Os Últimos Dias dos Romanov”, de Helen Rappaport. Então decidi comentar algumas coisinhas. O nome original do livro é Ekaterinburg. Ecaterinburgo foi a prisão final da família do Czar e lugar da execução de onze pessoas e um cachorro: Nicolau II; a czarina Alexandra; suas filhas, Olga, Tatiana, Maria e Anastácia; seu filho, Alexei; a governanta, o médico, dois criados, e uma cadelinha (*eram três cachorros, um desapareceu, e outro terminou seus dias na Inglaterra*). Na página da Livraria Cultura há uma sinopse do livro:
Quanto ao valor histórico do material, ele é relativo. Acredito que, apesar do esforço enorme da autora em ir até os arquivos e fontes produzidas o mais próximo possível da chacina (*porque foi exatamente isso que aconteceu ali*), há muito mais especulação do que eu admitiria em uma obra historiográfica. Imaginar o que fulano ou ciclano poderiam estar pensando ou sentindo sem ter uma fonte que sirva de evidência (*ela cita trechos de memórias dos assassinos entre aspas, assim como trechos de cartas e diários*) é coisa de romancista. E não pense que eu estou desqualificando o romance, até porque as fronteiras entre história e ficção são de fato muito tênues.
Três coisinhas me irritam muito no livro. A primeira é a complacência com que a autora trata Nicolau II. A todo momento ela parece relevar o fato dele ter sido um governante fraco, medíocre e responsável – já que seu governo era autocrático – por milhares de mortes e muito sofrimento. Em nenhum momento ela usa para ele o termo “assassino” ou “bandido” que é fartamente distribuído para os bolcheviques. Eis o segundo incômodo. Os bolcheviques cometeram barbaridades – e o assassinato de toda a família e criados é uma delas, só que em nível micro – mas os Romanov e seu último Czar não ficaram atrás de forma alguma. Ela volta no tempo várias vezes, mas não se dá ao trabalho de descrever as atrocidades do regime czarista, como faz, por exemplo, com as neuroses e interferências da czarina ou "o banditismo" dos bolcheviques. É preciso ser justa, e isso a autora, ainda que tente fugir da hagiografia, não consegue ser. É visível que ela não gosta dos bolcheviques, e isso é direito dela, mas ao descrever os últimos dias e mesclar com fatos passados, ela deveria ter equilibrado melhor as coisas.
O meu último grande incômodo é a forma como ela tenta jogar boa parte da culpa da desgraça da família em Alexandra, compondo uma imagem desagradável da czarina. E, nesse ponto, as informações, mesmo cronológicas, não são precisas, o que é um pecado em um livro descritivo. E, pior, sobrou até para a pobre Vitória da Prússia, a filha mais velha da rainha Vitória. Alice de Hesse (*Alix era seu apelido e, depois de casada e convertida ao Catolicismo Ortodoxo, tornou-se Alexandra*) era neta da Rainha Vitória (*Vicky*), que supervisionou sua educação já que ela ficou órfã muito cedo. Fora isso, a Princesa Vicky tinha muitos problemas para resolver, ela tinha que lidar com Bismarck, só para começo de conversa e a Rainha Vitória estava viúva e com tempo de sobra para se meter na educação das netas na Alemanha.
Hesse poderia não ser grandes coisas, mas era de praxe tanto os reis da Inglaterra (*de origem alemã*), quanto os czares russos buscarem esposas baratas e com poucas capacidades de barganha nesses principados alemães. Daí, ela era uma noiva em potencial e não uma “escolha qualquer”. Uma duquesa muito mais rica teria muito menos chance, pois não pertencia a uma casa reinante. A autora oscila dizendo que Alexandra tinha se tornado russa de corpo e alma (*principalmente alma, porque ela é colocada como uma fanática religiosa*), mas a acusa de ser vista como alemã. Em nenhum momento ela se dá ao trabalho de falar da unificação alemã e da I Guerra de forma didática. Também não explica a pressão violenta sobre a czarina, já que a lei de sucessão russa (*por vingança do filho de Catarina, a Grande*) era semi-sálica, isto é, suas filhas eram as últimas da fila, só poderiam herdar o trono depois que o último dos primos desaparecesse. Isso, por si só, torna o assassinato das meninas ainda mais pavoroso. Mas voltando à Alexandra, ela tinha que dar um herdeiro para a Rússia, foi culpada por produzir quatro meninas e, quando, finalmente, nasce o único filho, ele tem um quadro grave de hemofilia. Naquele momento e dada a gravidade da doença, o menino tinha pouca expectativa de vida e, claro, todos sabiam que a culpa era da mãe.
Ela se tornou presa fácil do fanatismo religioso, das dores imaginárias (*que a autora diz que ela cultivava*), e de Rasputin. Aqui, outra falha, mostrar o quanto Rasputin foi daninho. Rappaport cita o monge “louco”, fala dele no capítulo sobre Alexei, mas fica mais tempo falando das mesquinharias e abusos dos bolcheviques, ou especulando sobre emoções e pensamentos. De resto, sentirem pena de Nicolau – ele russo – e culparem Alexandra – a princesa estrangeira, cuja timidez parecia arrogância aos estranhos – é muito fácil. Para mim, é repetição da Revolução Francesa, e os bolcheviques se espelharam nela, Trotsky, muito pouco falado no livro, queria um julgamento público de Nicolau e Alexandra ao estilo que que acontecera na França Revolucionária. Enfim, se Maria Antonieta descarregava suas frustrações na moda, Alexandra tinha como saída o fanatismo religioso (*que a colocou sob a órbita de Rasputin*), ambas tinham maridos pouco competentes, ambas se tornaram alvo do ódio dos seus contemporâneos enquanto seus maridos puderam gozar de alguma simpatia. De comum, ambas mulheres e estrangeiras.
O livro, no entanto, é bem interessante. Ele mostra com precisão como a situação pós-revolução russa era complicada. Apresenta, ainda que de forma superficial, que os bolcheviques foram se apropriando do poder expulsando e eliminando outros grupos (*mencheviques, socialistas revolucionários, anarquistas, etc.*). Mostra que nem todos os que estavam contra os bolcheviques eram burgueses e monarquistas, como a propaganda bolchevique conseguiu enfiar em muitas cabeças. Fala muito dos tchecos, que tomaram Ecaterinburgo pouco depois do massacre, embora não explique bem quem eram eles. A autora também conseguiu apresentar de forma muito completa o Tratado de Brest-Litovsk e como o governo bolchevique vendeu boa parte do país para a Alemanha para conseguir sair da I Guerra. Rappaport foi muito feliz em apresentar a indiferença dos outros monarcas, mesmo parentes, em relação ao futuro dos Romanov, da falta de ação especialmente por parte do Rei da Inglaterra, o que condenou Nicolau e sua família e de como os ingleses tentaram encobrir o fato.
Apesar dos problemas de tradução e da pouca fluência do texto em alguns momentos, foi muito bem apresentada a estratégia, depois que a chacina foi descoberta, em transformar o assassinato em uma conspiração judaica. Ainda que a autora tenha falhado absolutamente em comparar o assassinato dos Romanov ao Holocausto dos judeus. Para ela, que se viu depois na Alemanha Nazista teria sido um aperfeiçoamento do que os bolcheviques fizeram. Menos, por favor! Mas ela foi muito feliz em mostrar que o assassinato dos Romanov, da família inteira, não somente a execução justificada do czar, foi um ato covarde de vingança. Mais covarde ainda, porque o governo bolchevique negou por meses ter executado as meninas e a czarina (*Alexei parece que nunca era citado... talvez, proque sua morte fosse algo certo. Ainda assim, os últimos dias do menino foram horríveis demais.*). E os empregados, claro, foram punidos por sua fidelidade ao antigo regime. Ou seja, se há vergonha, há culpa ou sentimento de culpa. Não havia justificativa legal para o extermínio de todos, inclusive dos criados.
Coisas legais que aprendi com o livro foi que existiram destacamentos de mulheres no exército russo durante a I Guerra, mais precisamente, no final dela, os chamados Batalhões Femininos da Morte. O objetivo desses batalhões, recebidos com muita má vontade pelos generais, era envergonhar os homens que fugiam do front, já que as mulheres tinham mais coragem que eles. Nunca tinha ouvido falar da tenente-coronel Maria Bochkareva, camponesa idealizadora dos batalhões femininos, e da sua ida aos Estados Unidos pedindo ajuda para a Rússia em nome do deposto governo de Kerensky. Na verdade, esses detalhes se perdem em uma aula de História comum, mesmo na faculdade, e muito do que eu estudei na escola e mesmo na universidade foi direcionado por uma complacência em relação a tudo que os bolcheviques tivessem feito ou executado, como se eles tivessem razão, e só houvesse um caminho. Como se toda e qualquer selvageria tivesse sido necessária, naquele esquema do “o fim justifica os meios”. Obviamente, não se trata, também, de construir uma história de mocinhos e vilões, como muitos parecem desejar.
É preciso deixar claro que em História, pelo menos naquela que eu ensino e advogo, nada é inexorável, nada “precisava ser assim”, simplesmente foi assim. Poderia ter sido diferente, e ainda que se tenha simpatias por um lado ou outro, é preciso tentar ser just@ na análise das fontes e dos discursos. Considero a Revolução Russa muito importante, e a queda da monarquia autocrática russa era uma questão de tempo, não porque "era vontade de Deus", mas porque estruturalmente, ela era um fóssil vivo dentro da Europa. O caminho, entretanto, foi escolha dos agentes do processo histórico, das contingências, das suas condições de produção, não execução de algo que estava predestinado. Uma monarquia constitucional ou uma república burguesa ou a fragmentação do território ou a tomada de poder por um grupo de esquerda mais heterogêneo ou uma ditadura ou... As possibilidades eram quase infinitas. De certo, e isso a autora coloca muito bem, havia a impossibilidade do retorno do Czar, pois Nicolau não era opção nem entre os monarquistas. Não se trata, portanto, de estigmatizar os bolcheviques, tampouco de santificar Lênin e jogar as “maldades” nas costas de outros, especialmente Stalin, como virou moda por aí, mas de perceber que foi um momento muito rico. E, claro, que o massacre da família do Czar foi um ato de selvageria. Enfim, nem sei se esta resenha desorganizada é útil, mas precisava comentar o livro, que é válido, sim, embora esteja longe de ser excelente.
P.S.1: Eu queria muito um filme sobre as meninas Romanov. Por conta da propaganda - o czar sabia muito bem o quanto seus filhos eram bonitos - há muitas fotos delas, as meninas de vestidos brancos, e por conta do pessoal que fica colorizando esse material nno Deviantart, aprendi a gostar delas. Nos filmes, Raputin/Nicolau & Alexandra/O Segredo de Anna, nunca colocam meninas realmente bonitas e parecidas com elas para fazerem seus papéis, além, claro, do foco ser Alexei, Alexandra e Nicolau.
P.S.2: A irmã da Czarina, Elizabeth (Ella), também foi assassinada pelos bolcheviques. Seu marido, tio do czar, tinha sido morto no início do século XX, ela inclusive saiu em defesa do assassino pedindo clemência e perdão, depois, se tornou freira e dedicou-se ao trabalho com os necessitados. Com a Revolução foi tirada do convento e mantida presa. Pouco depois do assassinato da família imperial, ela foi arremessada dentro de uma mina, junto com outros membros da família imperial por agentes da Cheka (*o primeiro ensaio da KGB*). Não lhe deram tiro, mas uma pancada na cabeça. Depois atiraram granadas. Ainda assim, ela sobreviveu por algum tempo e quando os Brancos resgataram o seu corpo, ela aind atinha tido a iniciativa de tentar cuidar do ferimento de uma das outras vítimas. Outra morte desnecessária entre tantas.
A execução em julho de 1918 dos Romanov - a família do último czar da Rússia, Nicolau II - é cercada de mitos e histórias macabras. Especialista em história russa, Helen Rappaport teve acesso aos depoimentos de várias testemunhas-chave. Ela revela o papel de Lenin na execução e mostra também como os Romanov e seus carcereiros desenvolveram uma relação complexa.Minha primeira observação sobre o material é editorial. O livro parece ter sido feito às pressas, assim, em vários momentos há letras faltando e erros de digitação. Além disso, há repetições de palavras muito próximas, que acabam empobrecendo o texto em alguns momentos. Outro problema, este mais grave, é a ligeira sensação de que certas partes não foram traduzidas adequadamente. Em dois lugares, mesmo sem ter lido o original, eu tenho certeza absoluta. Fora, claro, palavras em russo, aqui e ali, sem uma notinha sequer. Eu não leio russo, e a maioria das palavras eram desconhecidas para mim. Esse tipo de trabalho capenga, em um livro relativamente caro (*ou em qualquer livro*), pesam muito contra a editora.
Quanto ao valor histórico do material, ele é relativo. Acredito que, apesar do esforço enorme da autora em ir até os arquivos e fontes produzidas o mais próximo possível da chacina (*porque foi exatamente isso que aconteceu ali*), há muito mais especulação do que eu admitiria em uma obra historiográfica. Imaginar o que fulano ou ciclano poderiam estar pensando ou sentindo sem ter uma fonte que sirva de evidência (*ela cita trechos de memórias dos assassinos entre aspas, assim como trechos de cartas e diários*) é coisa de romancista. E não pense que eu estou desqualificando o romance, até porque as fronteiras entre história e ficção são de fato muito tênues.
Três coisinhas me irritam muito no livro. A primeira é a complacência com que a autora trata Nicolau II. A todo momento ela parece relevar o fato dele ter sido um governante fraco, medíocre e responsável – já que seu governo era autocrático – por milhares de mortes e muito sofrimento. Em nenhum momento ela usa para ele o termo “assassino” ou “bandido” que é fartamente distribuído para os bolcheviques. Eis o segundo incômodo. Os bolcheviques cometeram barbaridades – e o assassinato de toda a família e criados é uma delas, só que em nível micro – mas os Romanov e seu último Czar não ficaram atrás de forma alguma. Ela volta no tempo várias vezes, mas não se dá ao trabalho de descrever as atrocidades do regime czarista, como faz, por exemplo, com as neuroses e interferências da czarina ou "o banditismo" dos bolcheviques. É preciso ser justa, e isso a autora, ainda que tente fugir da hagiografia, não consegue ser. É visível que ela não gosta dos bolcheviques, e isso é direito dela, mas ao descrever os últimos dias e mesclar com fatos passados, ela deveria ter equilibrado melhor as coisas.
O meu último grande incômodo é a forma como ela tenta jogar boa parte da culpa da desgraça da família em Alexandra, compondo uma imagem desagradável da czarina. E, nesse ponto, as informações, mesmo cronológicas, não são precisas, o que é um pecado em um livro descritivo. E, pior, sobrou até para a pobre Vitória da Prússia, a filha mais velha da rainha Vitória. Alice de Hesse (*Alix era seu apelido e, depois de casada e convertida ao Catolicismo Ortodoxo, tornou-se Alexandra*) era neta da Rainha Vitória (*Vicky*), que supervisionou sua educação já que ela ficou órfã muito cedo. Fora isso, a Princesa Vicky tinha muitos problemas para resolver, ela tinha que lidar com Bismarck, só para começo de conversa e a Rainha Vitória estava viúva e com tempo de sobra para se meter na educação das netas na Alemanha.
Hesse poderia não ser grandes coisas, mas era de praxe tanto os reis da Inglaterra (*de origem alemã*), quanto os czares russos buscarem esposas baratas e com poucas capacidades de barganha nesses principados alemães. Daí, ela era uma noiva em potencial e não uma “escolha qualquer”. Uma duquesa muito mais rica teria muito menos chance, pois não pertencia a uma casa reinante. A autora oscila dizendo que Alexandra tinha se tornado russa de corpo e alma (*principalmente alma, porque ela é colocada como uma fanática religiosa*), mas a acusa de ser vista como alemã. Em nenhum momento ela se dá ao trabalho de falar da unificação alemã e da I Guerra de forma didática. Também não explica a pressão violenta sobre a czarina, já que a lei de sucessão russa (*por vingança do filho de Catarina, a Grande*) era semi-sálica, isto é, suas filhas eram as últimas da fila, só poderiam herdar o trono depois que o último dos primos desaparecesse. Isso, por si só, torna o assassinato das meninas ainda mais pavoroso. Mas voltando à Alexandra, ela tinha que dar um herdeiro para a Rússia, foi culpada por produzir quatro meninas e, quando, finalmente, nasce o único filho, ele tem um quadro grave de hemofilia. Naquele momento e dada a gravidade da doença, o menino tinha pouca expectativa de vida e, claro, todos sabiam que a culpa era da mãe.
Ela se tornou presa fácil do fanatismo religioso, das dores imaginárias (*que a autora diz que ela cultivava*), e de Rasputin. Aqui, outra falha, mostrar o quanto Rasputin foi daninho. Rappaport cita o monge “louco”, fala dele no capítulo sobre Alexei, mas fica mais tempo falando das mesquinharias e abusos dos bolcheviques, ou especulando sobre emoções e pensamentos. De resto, sentirem pena de Nicolau – ele russo – e culparem Alexandra – a princesa estrangeira, cuja timidez parecia arrogância aos estranhos – é muito fácil. Para mim, é repetição da Revolução Francesa, e os bolcheviques se espelharam nela, Trotsky, muito pouco falado no livro, queria um julgamento público de Nicolau e Alexandra ao estilo que que acontecera na França Revolucionária. Enfim, se Maria Antonieta descarregava suas frustrações na moda, Alexandra tinha como saída o fanatismo religioso (*que a colocou sob a órbita de Rasputin*), ambas tinham maridos pouco competentes, ambas se tornaram alvo do ódio dos seus contemporâneos enquanto seus maridos puderam gozar de alguma simpatia. De comum, ambas mulheres e estrangeiras.
O livro, no entanto, é bem interessante. Ele mostra com precisão como a situação pós-revolução russa era complicada. Apresenta, ainda que de forma superficial, que os bolcheviques foram se apropriando do poder expulsando e eliminando outros grupos (*mencheviques, socialistas revolucionários, anarquistas, etc.*). Mostra que nem todos os que estavam contra os bolcheviques eram burgueses e monarquistas, como a propaganda bolchevique conseguiu enfiar em muitas cabeças. Fala muito dos tchecos, que tomaram Ecaterinburgo pouco depois do massacre, embora não explique bem quem eram eles. A autora também conseguiu apresentar de forma muito completa o Tratado de Brest-Litovsk e como o governo bolchevique vendeu boa parte do país para a Alemanha para conseguir sair da I Guerra. Rappaport foi muito feliz em apresentar a indiferença dos outros monarcas, mesmo parentes, em relação ao futuro dos Romanov, da falta de ação especialmente por parte do Rei da Inglaterra, o que condenou Nicolau e sua família e de como os ingleses tentaram encobrir o fato.
Apesar dos problemas de tradução e da pouca fluência do texto em alguns momentos, foi muito bem apresentada a estratégia, depois que a chacina foi descoberta, em transformar o assassinato em uma conspiração judaica. Ainda que a autora tenha falhado absolutamente em comparar o assassinato dos Romanov ao Holocausto dos judeus. Para ela, que se viu depois na Alemanha Nazista teria sido um aperfeiçoamento do que os bolcheviques fizeram. Menos, por favor! Mas ela foi muito feliz em mostrar que o assassinato dos Romanov, da família inteira, não somente a execução justificada do czar, foi um ato covarde de vingança. Mais covarde ainda, porque o governo bolchevique negou por meses ter executado as meninas e a czarina (*Alexei parece que nunca era citado... talvez, proque sua morte fosse algo certo. Ainda assim, os últimos dias do menino foram horríveis demais.*). E os empregados, claro, foram punidos por sua fidelidade ao antigo regime. Ou seja, se há vergonha, há culpa ou sentimento de culpa. Não havia justificativa legal para o extermínio de todos, inclusive dos criados.
Coisas legais que aprendi com o livro foi que existiram destacamentos de mulheres no exército russo durante a I Guerra, mais precisamente, no final dela, os chamados Batalhões Femininos da Morte. O objetivo desses batalhões, recebidos com muita má vontade pelos generais, era envergonhar os homens que fugiam do front, já que as mulheres tinham mais coragem que eles. Nunca tinha ouvido falar da tenente-coronel Maria Bochkareva, camponesa idealizadora dos batalhões femininos, e da sua ida aos Estados Unidos pedindo ajuda para a Rússia em nome do deposto governo de Kerensky. Na verdade, esses detalhes se perdem em uma aula de História comum, mesmo na faculdade, e muito do que eu estudei na escola e mesmo na universidade foi direcionado por uma complacência em relação a tudo que os bolcheviques tivessem feito ou executado, como se eles tivessem razão, e só houvesse um caminho. Como se toda e qualquer selvageria tivesse sido necessária, naquele esquema do “o fim justifica os meios”. Obviamente, não se trata, também, de construir uma história de mocinhos e vilões, como muitos parecem desejar.
É preciso deixar claro que em História, pelo menos naquela que eu ensino e advogo, nada é inexorável, nada “precisava ser assim”, simplesmente foi assim. Poderia ter sido diferente, e ainda que se tenha simpatias por um lado ou outro, é preciso tentar ser just@ na análise das fontes e dos discursos. Considero a Revolução Russa muito importante, e a queda da monarquia autocrática russa era uma questão de tempo, não porque "era vontade de Deus", mas porque estruturalmente, ela era um fóssil vivo dentro da Europa. O caminho, entretanto, foi escolha dos agentes do processo histórico, das contingências, das suas condições de produção, não execução de algo que estava predestinado. Uma monarquia constitucional ou uma república burguesa ou a fragmentação do território ou a tomada de poder por um grupo de esquerda mais heterogêneo ou uma ditadura ou... As possibilidades eram quase infinitas. De certo, e isso a autora coloca muito bem, havia a impossibilidade do retorno do Czar, pois Nicolau não era opção nem entre os monarquistas. Não se trata, portanto, de estigmatizar os bolcheviques, tampouco de santificar Lênin e jogar as “maldades” nas costas de outros, especialmente Stalin, como virou moda por aí, mas de perceber que foi um momento muito rico. E, claro, que o massacre da família do Czar foi um ato de selvageria. Enfim, nem sei se esta resenha desorganizada é útil, mas precisava comentar o livro, que é válido, sim, embora esteja longe de ser excelente.
P.S.1: Eu queria muito um filme sobre as meninas Romanov. Por conta da propaganda - o czar sabia muito bem o quanto seus filhos eram bonitos - há muitas fotos delas, as meninas de vestidos brancos, e por conta do pessoal que fica colorizando esse material nno Deviantart, aprendi a gostar delas. Nos filmes, Raputin/Nicolau & Alexandra/O Segredo de Anna, nunca colocam meninas realmente bonitas e parecidas com elas para fazerem seus papéis, além, claro, do foco ser Alexei, Alexandra e Nicolau.
P.S.2: A irmã da Czarina, Elizabeth (Ella), também foi assassinada pelos bolcheviques. Seu marido, tio do czar, tinha sido morto no início do século XX, ela inclusive saiu em defesa do assassino pedindo clemência e perdão, depois, se tornou freira e dedicou-se ao trabalho com os necessitados. Com a Revolução foi tirada do convento e mantida presa. Pouco depois do assassinato da família imperial, ela foi arremessada dentro de uma mina, junto com outros membros da família imperial por agentes da Cheka (*o primeiro ensaio da KGB*). Não lhe deram tiro, mas uma pancada na cabeça. Depois atiraram granadas. Ainda assim, ela sobreviveu por algum tempo e quando os Brancos resgataram o seu corpo, ela aind atinha tido a iniciativa de tentar cuidar do ferimento de uma das outras vítimas. Outra morte desnecessária entre tantas.