segunda-feira, março 05, 2012

Aulas do Primeiro Bimestre



Conforme prometido, aqui estão as aulas de História do Brasil e História Geral. O objetivo principal é atender aos alunos e alunas do Terceiro Ano do Colégio Militar de Brasília, mas qualquer pessoa tem direito de baixá-las e utilizá-las desde que creditem a fonte. Para baixar, clique nos links a seguir: BRASIL - GERAL.

domingo, março 04, 2012

Cinema & História: A Dama de Ferro



Hoje à tarde finalmente consegui assistir A Dama de Ferro. Apesar de já ter o filme no meu HD, fui ao cinema acreditando que poderia, sim, ser um bom filme. Enfim, se eu tivesse que resumir em uma palavra The Iron Lady seria engodo. Antes que alguém se espante, afinal, Meryl Streep levou o Oscar, explico que são coisas diferentes. O desempenho da atriz, assim como o de Jim Broadbent, que faz o marido da Primeira-Ministra, é soberbo, mas o filme deixa muito, muito, muito a desejar. Tentarei explicar de forma bem econômica: não se deixe enganar pelo trailer, pois você não vai ver um filme sobre Thatcher, a Dama de Ferro, mas sobre as reminiscências de uma velhinha solitária e perdendo a sanidade. Gato por lebre, acredite. No entanto, vou tentar observar o filme por vários ângulos, afinal, não considero a película de todo ruim.

Margaret Thatcher merece um lugar na História, afinal, conseguiu ser a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra em um país ocidental (foi precedida por Golda Meir em Israel e Indira Gandhi na Índia) e o político a permanecer por mais tempo nessa função durante o século XX, governando de 1979 até 1990. Ela foi tão icônica, que há uma anedota inglesa sobre o menininho que perguntou ao professor de História se homens podiam ser primeira-ministra. Vejam bem, que até a eleição de Dilma, muita gente dizia que uma mulher jamais seria eleita para o cargo ou que teríamos que esperar umas boas décadas. Thatcher é, portanto, uma personagem muito importante quando se pensa em mulheres ocupando o comando de nações. Antes que alguém fale que a Inglaterra tem e teve rainhas, vale lembrar que, até a recente lei que acaba com a primazia masculina, rainhas na Inglaterra eram um acidente, elas estão lá porque, por azar, nenhum menino nasceu antes ou depois delas. Triste, não é?

Só que a mesma Thatcher se comportou como qualquer outro político conservador, ou até mais ainda, porque talvez tenha ajudado a redefinir as políticas do partido, atacando sindicatos, cortando direitos sociais, favorecendo a concentração de renda, reprimindo violentamente os irlandeses, privatizando a economia inglesa, mostrando desprezo pelos milhares de desempregados. Aliás, quando ministra da educação, ela cortou o leite das criancinhas. Para que, não é? Precisamos economizar. Thatcher junto com Ronald Reagan são os maiores responsáveis pela imposição das políticas neoliberais. Os frutos estão seno colhidos agora. Há melhor momento para se fazer um filme sobre Thatcher? Se o filme fosse abordar essas questões seriamente, mas não foi bem o caso.

A Dama de Ferro tem como foco principal a senil ex-primeira-ministra da Inglaterra. As memórias da sua trajetória política são fragmentadas e pontuadas com alucinações nas quais ela imagina que seu marido, Denis Thatcher (Jim Broadbent), ainda está vivo. Tudo que vemos do tempo de Thatcher adolescente, postulante à carreira política, mãe, ministra da educação, primeira-ministra é flashback. E tudo, como já pontuei, muito fragmentado. Quando a gente começava a gostar e, caramba, ame ou odeie Thatcher, ela foi impressionante e interpretada por Meryl Streep... a cena era cortada e voltávamos para a velhinha debilitada, sua solidão, sua saudade do marido, etc., etc. Assim, um balde d'água fria. Os trailers de A Dama de Ferro fazem parte do engodo. Eu cheguei em casa e fui assistir todas as versões que encontrei. Procure a Thatcher idosa. Ela aparece muito rapidamente, nunca vemos uma cena dela. Parece até "pegadinha do malandro".

Se eu tivesse ido ao cinema ver um filme sobre a solidão da velhice, sobre a incapacidade da nossa sociedade atual em valorizar o passado, sobre a dificuldade em se perder alguém que se ama, OK. Só que o trailer e as críticas me venderam que era um filme sobre A Dama de Ferro. Mesmo a entrevista com a Meryl Streep, que coloquei aqui no blog, não deixou claro que o fio condutor seria a mulher senil. Sabia da cena de Thatcher comprando leite, mas acreditava que essa faceta da personagem, que, aliás, ainda está muito viva, seria detalhe. Só que não é. Como representação da velhice, da angustia do esquecimento e da saudade, o filme é bom. No entanto, o filme é sobre Margaret Thatcher e a todo instante somos levados a esquecer disso... Só que paguei ingresso para ver a política aguerrida e insensível para com as questões sociais. Cadê? Vendo o filme, entendi perfeitamente porque não foi indicado para Melhor Filme, Roteiro ou Direção (*OK, a diretora é mulher, provavelmente ficaria de fora mesmo...*) . Simplesmente, não merecia.

Como a longa trajetória política de Thatcher como primeira-ministra é detalhe, algumas questões não são tocadas, como a aliança com Ronald Reagan (*Ah! Mas eles aparecem dançando!*), o fim da Guerra Fria (*mas é dito que a primeira-ministra quer acabar com ela!*) e a questão irlandesa. Por que eles estavam fazendo atentados mesmo? Por que tentaram matar a Primeira-Ministra e seu marido fofo? O filme não explica. Parecem omissões propositais, especialmente, o caso Reagan. De resto, a trajetória política e mesmo a vida de Thatcher é mostrada como memória fragmentada. Sabemos que desde cedo ela se interessa por política, que seu pai era atuante em sua cidade, que ele a incentivava, enquanto sua mãe a puxava para a cozinha. Sabemos que ela era pobre, que teve que se esforçar para conseguir ir para Oxford. Mas o que ela estudou mesmo? Daí, pulamos para o início de sua carreira política e seu encontro com o marido. E vamos de salto em salto. Opção? Sim, mas quem saiu perdendo foi o filme. O destaque maior desses saltos são as cenas de arquivo mostrando as manifestações, os embates entre manifestantes e a polícia, e a violência da repressão.

O desempenho de Meryl Streep como Thatcher foi soberbo. Algumas cenas, são fantásticas, mas o mérito é dela, não do roteiro ou da direção. Eu não lembrava bem da forma como Thatcher falava. Achei a entonação de Streep bem irritante, menos, depois que ela passa a ser treinada para se candidatar à chefia do partido conservador, mas era exatamente assim que Thatcher falava. Olhem só esse vídeo. Streep deu o seu máximo para conseguir dar vida à Margaret Thatcher e à velhinha inventada para o filme. Sim, inventada, porque Streep diz que Thatcher e seus familiares não colaboraram com o filme e que essa parte dependeu muito da sua interpretação. Streep interpreta Thatcher adulta e idosa, e a maquiagem só serviu para acentuar seu desempenho. Já a Thatcher jovem foi muito bem interpretada por Alexandra Roach. Mas além de Streep, quem arrasou foi Jim Broadbent, ele merecia ser indicado como coadjuvante.

Antes do fim resta tocar em uma questão importante. Há quem esteja querendo vender Thatcher como um modelo para as mulheres. Outros se preocupam com a suposta tentativa do filme em fazer dela um ícone feminista. Thatcher é importante para as mulheres, aliás, escrevi isso lá no início do texto. Ela abriu caminho e é tão simbólica como Obama nos EUA, ou Dilma aqui. Isso quer dizer que ela era feminista? Não. E o filme não a vende assim. Aliás, há uma cena em que Thatcher idosa mostra desprezo pela fala de uma mulher que diz que ela foi inspiradora para as mulheres e para ela. Thatcher no filme estava interessada em vencer e chegar o mais longe possível, afinal, ela tinha sido estimulada desde cedo pelo pai. Ela não questiona os papéis das mulheres, ela os despreza, ela prefere os homens. Prestem atenção na questão das xícaras. É algo fundamental para se entender o caráter dela. Thatcher não estava pensando em mudar o lugar que as mulheres – a maioria delas, pelo menos – ocupavam na sociedade, ela simplesmente não queria ocupá-lo. Vencer, dependeu dela mesma. É isso que o filme vende. Aliás, ela é a self made woman, no máximo, ela dá algum crédito ao pai, de resto, ela chegou lá por seus esforços.

Agora, como o filme foi feito pro mulheres, a diretora (Phyllida Lloyd) e a roteirista (Abi Morgan) não deixam de discutir questões de gênero. Adolescente, Thatcher é puxada pela mãe para as prendas domésticas. Candidata a primeira vez, ela é tratada com complacência e desprezo porque reúne três estigmas, é mulher, é jovem, e tem origem nas classes trabalhadoras. Depois, no Parlamento, ela é sempre mostrada como única entre homens e a sala das deputadas é minúscula e tem uma tábua de passar ocupando boa parte do espaço. E para achar um banheiro? Como Ministra, é acusada de histérica, afinal, ela é mulher, é a acusação machista mais fácil. Quando no caso das Malvinas, ela diz ao Embaixador Americano que esteve em guerra sua vida inteira. Sim, mesmo quando uma mulher na política, ou um gay, ou outra minoria qualquer, levam à sério seu papel, mesmo quando não levantam bandeiras sociais, eles sofrem. Sofrem somente por estarem lá. E eu não tenho dúvidas que Thatcher levava seu papel á sério, ainda que eu não concorde com a forma como ela conduzia a sua política. Agora, cortaram uma cena que aparece no trailer, quando Thatcher à frente de um bandão de chefes de Estado – todos homens – diz "Gentlemen, let's join the ladies!". Sim, porque ela, Thatcher, podia ser mulher, mas não era uma das "ladies", ela era única, pois tinha invadido o "clube do bolinha". Essa cena precisava estar no filme para fazer par com a outra, lá do início do filme, quando a jovem candidata Thatcher é obrigada a "se juntar às damas", enquanto os homens conversam coisas sérias, ou seja, política e economia. :)

O filme, claro, cumpre a Bechdel Rule. Há várias mulheres personagens, com nomes, e que conversam entre si e não é para falar de algum homem. Isso é importante, porque, como pontuei, Thatcher tem como seus grandes parceiros em tela homens, seu marido e os políticos. Ainda assim, a diretora e a roteirista cuidaram de colocar outras mulheres em cena. O destaque para a filha de Thatcher e a governanta. Enfim, se você quiser ver um filme melancólico sobre a velhice sem se importar que a velhinha é Thatcher, esse filme é para você. Se é fã de Meryl Streep, que conseguiu levar o Oscar dessa vez, não pode deixar de assistir. Agora, se quiser saber sobre os anos que antecederam a subida de Thatcher ao poder, sua política e seus desdobramentos, melhor pegar Billy Elliot, Ou Tudo ou Nada, ou ainda Em Nome do Pai. E, claro, a miséria do neoliberalismo está aí para quem quiser ver nos jornais. O importante, no entanto, é tentar separar a antipatia (*ou simpatia*) em relação à personagem Margaret Thatcher, da percepção geral do filme. Infelizmente, pelo que observei, muita gente não está conseguindo fazer isso.
P.S.: As legendas estavam horríveis. Um dos piores trabalhos de tradução/adaptação dos últimos tempos. Para quem não entendia inglês, houve muita informação perdida. Como é possível oferecer um serviço tão ruim aos consumidores?