Artigo traduzido da revista History Today que trata do comércio holandês de escravos e sua importância no século XVI. No meio do texto, é discutida a presença holandesa no Brasil e a Insurreição Pernambucana.
Além do lucro: O papel holandês no comércio de escravos não pode ser descartado por uma questão de números.
Paul Doolan
A contribuição holandesa para o comércio transatlântico de escravos tem sido pensada para ter um significado marginal. Mas isso depende de como o caracterizamos. Sugiro que o comércio de escravos holandês não era apenas significativo, mas crucial na formação do comércio transatlântico de escravos.
O número total de escravos transportados pelos europeus da África para as Américas foi calculado em 10.702.656 pessoas. Os holandeses foram responsáveis por cerca de meio milhão deles, embora os números possam ser mais altos, já que os navios holandeses às vezes navegavam sob uma bandeira estrangeira para contornar o monopólio legal de sua própria Companhia das Índias Ocidentais (West Indian Company/WIC). Além disso, esse número é baseado principalmente em viagens legais de escravos. As viagens ilegais de escravos holandeses poderiam ter sido responsáveis pelo transporte forçado de cerca de dezenas de milhares de cativos africanos. Ainda assim, sabemos que a participação oficial holandesa no comércio atlântico de escravos equivale a pouco menos de seis por cento do total. Mas, em um determinado momento, a contribuição holandesa foi crítica, desmentindo os números gerais.
Os dados do Trans-Atlantic Slavery Database, um projeto colaborativo entre universidades em todo o mundo, fornecem o número de cativos africanos desembarcados por navios holandeses nas Américas entre 1600 e 1650. Os anos cruciais estão entre 1637 e 1644: mais de 5.000 escravos chegaram nos últimos anos, mas os números caem repentinamente em 1645. Antes de 1637, a participação holandesa no comércio era incidental. A causa desse repentino aumento foi a entrada holandesa na produção de açúcar.
No início do século XVII, as numerosas refinarias de Amsterdã exportaram açúcar para toda a Europa a partir de plantações de cana no Brasil de propriedade portuguesa. Em 1621, a WIC foi fundada e a Trégua dos Doze Anos entre Espanha-Portugal e a República Holandesa terminou. As colônias portuguesas no Brasil se tornaram alvos militares para os holandeses. Em 1630, o WIC conquistou a área de cana-de-açúcar controlada pelos portugueses do Brasil, Pernambuco. Para manter as plantações funcionando lucrativamente, os holandeses precisavam de escravos.
Entre 1637 e 1641, os holandeses conquistaram os mercados de escravos portugueses do Castelo de Elmina, São Tomé e Luanda na África. A entrada deles no comércio de escravos em grande escala poderia começar. Como resumiu o historiador Johannes Postma: 'Tudo começou com produtos de açúcar no comércio de escravos no Brasil'. Herbert Klein concordou que a experiência holandesa no Brasil 'afetou profundamente a história subsequente da produção de açúcar e da escravidão africana'.
O acentuado declínio na importação de escravos em 1645 resultou de uma revolta dos plantadores luso-brasileiros naquele ano contra as autoridades holandesas em Pernambuco. Embora os holandeses estivessem apegados ao Brasil, em 1656 eles foram forçados a se retirar inteiramente da colônia. O tempo deles ali foi breve, mas o verdadeiro significado estava em seu legado. Já em 1642, um relatório do WIC havia mencionado que a colônia holandesa de Curaçao seria um empreendimento ideal para o tráfico de escravos. Depois que o conflito holandês-espanhol terminou com o Tratado de Vestfália em 1648, a ilha se tornou um ponto de trânsito essencial no comércio ilícito de escravos holandeses no Império Espanhol. Quando os holandeses venceram o direito de asiento, que lhes concedeu uma licença para fornecer escravos às colônias espanholas em 1662, Curaçao floresceu como o principal mercado de escravos no Caribe. Por um tempo, Curaçao permitiu que o WIC, assim como numerosos comerciantes particulares na República Holandesa, dominassem o comércio de escravos hispano-americano.
Além disso, após o início da revolta de 1645 em Pernambuco, os empresários holandeses começaram a deixar o Brasil. Com a perda de Pernambuco em 1656, o fluxo tornou-se um êxodo maciço. Alguns retornaram à Europa, mas outros, incluindo judeus sefarditas holandeses, usaram suas novas habilidades em gerenciamento de escravos para construir a indústria açucareira nas colônias holandesa, inglesa e francesa no Caribe. Ironicamente, as liberdades concedidas aos judeus pelos holandeses, muitos dos quais falavam português fluentemente, resultaram em um papel importante no comércio de escravos e no desenvolvimento da escravidão nas plantações. Cristãos e judeus holandeses fugiram de Pernambuco e se espalharam pelas colônias britânicas, francesas, holandesas e dinamarquesas, trazendo seu conhecimento e moldando a economia açucareira em desenvolvimento da plantação de escravos. Veteranos cristãos do Brasil holandês tornaram-se administradores, governadores e diretores de assentamentos holandeses na América do Norte, Tobago, Suriname, Cayenne e Costa do Ouro na África. Mas o espírito empreendedor holandês também se voltou para as colônias inglesa e francesa.
Em meados do século XVII, Barbados, de propriedade britânica, rapidamente se transformou em uma sociedade escravista que cultivava cana-de-açúcar. O capital e a tecnologia fornecidos pelos holandeses foram fundamentais para isso, desencadeando uma revolução na produção de cana, sendo o ingrediente essencial o suprimento holandês de escravos africanos. Embora alguns historiadores tenham alertado contra o exagero do papel dos holandeses em Barbados, o papel que desempenharam na conversão das colônias francesas de Guadalupe e Martinica em sociedades escravistas foi de grande importância. Segundo Wim Klooster, os holandeses "forneceram tudo o que os plantadores precisavam para iniciar a revolução do açúcar", incluindo "escravos ... crédito ... cavalos importados" e "know-how técnico".
Em suma, a busca pelo lucro levou os holandeses a uma história emaranhada com a África e as outras potências européias no Caribe. A longo prazo, seriam os ingleses e os franceses que obteriam o maior lucro de suas colônias de plantações de escravos, mas isso se deveu em parte às contribuições dos holandeses. Depois de aprenderem com os holandeses, no século 18 os ingleses e franceses aumentaram o comércio de escravos em proporções vertiginosas, transportando à força mais de três milhões e meio de cativos africanos. Somente a pequena ilha britânica de Barbados receberia quase meio milhão de escravos, a Jamaica mais de um milhão. Podemos descartar o papel holandês no comércio de escravos como sendo marginal apenas adotando uma abordagem estreita e exclusivamente econômica. Ao medir a importância do comércio de escravos holandês, precisamos olhar além dos lucros obtidos apenas pelos holandeses. A experiência deles foi fundamental para estabelecer as bases das revoluções europeias do açúcar no Caribe e o consequente crescimento explosivo do comércio de escravos.
Paul Doolan concluiu recentemente um doutorado em história colonial holandesa na Universidade de Konstanz, na Alemanha.
Paul Doolan concluiu recentemente um doutorado em história colonial holandesa na Universidade de Konstanz, na Alemanha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário